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ARTIGOS

O paciente têm o direito de escolher um tratamento médico, mesmo quando está envolvido  recusar transfusão de sangue alogênico?
 
Essa questão é levantada por pacientes, médicos e enfermeiros, principalmente quando envolve as Testemunhas de Jeová. 
 
A resposta está na Constituição Federal, em especial os artigos 3º e 5º que prevê o direito a autonomia, liberdade fundado na dignidade da pessoa humana e legalidade.
 
O artigo 15 do Código Civil reforça o direito individual de ninguém ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
 
Neste sentido, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dr. Luis Roberto Barroso, em sua obra Legitimidade da Recusa de Transfusão de Sangue por Testemunhas de Jeová Dignidade humana, liberdade religiosa e escolhas existenciais, ensina: “É legítima a recusa de tratamento que envolva a transfusão de sangue, por parte das testemunhas de Jeová. Tal decisão funda-se no exercício de liberdade religiosa, o direito fundamental emanado da dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o direito de fazer suas escolhas existenciais. Prevalece, assim, nesse caso, a dignidade como expressão da autonomia privada, não sendo permitido ao Estado impor procedimento médico recusado pelo paciente. Em nome do direito à saúde ou do direito à vida, o Poder Público não pode destituir o indivíduo de uma liberdade básica, por ele compreendida como expressão de sua dignidade.” (BARROSO, Luís Roberto. “Legitimidade da Recusa de Transfusão de Sangue por Testemunhas de Jeová. Dignidade Humana, Liberdade Religiosa e Escolhas Existenciais.” Rio de Janeiro, 5 de abril de 2010, pp. 22 e 30. (http://www.conjur.com.br/dl/testemunhas-jeova-sangue.pdf)
 
Neste sentido, o Dr. Nelson Nery Junior, em sua obra Escolha de Esclarecimento de Tratamento Médico por Pacientes Testemunhas de Jeová como exercício harmônico de direitos fundamentais, ensina: “O cidadão tem o direito constitucional de recusar qualquer tratamento médico, incluindo os que envolvam a transfusão de sangue. É vedado ao Estado, mediante decisões judiciais, impor aos seus cidadãos a prática de determinada conduta que seja atentatória a sua liberdade e à sua convicção religiosa sob pena de violação da CF, 5º, caput e VI.” (NERY JÚNIOR, Nelson. “Escolha Esclarecida de Tratamento Médico por Pacientes Testemunhas de Jeová”. In Revista de Direito Privado. Ano 11, n.º 41, Jan.-Mar./2010, Ed. RT, pp. 241/242)
 
Meu posicionamento jurídico é o mesmo dos Drs. Barroso e Nery, no sentido que deve prevalecer o Direito de Escolha de Tratamento Médico, mesmo que isso incorra na recusa de transfusão de sangue.
 
Segue um julgado em que atuei, em que o magistrado da 2ª Vara Cível da Comarca de Jundiaí-SP, Dr. Marco Aurelio Stradiotto de Moraes Ribeiro Sampaio, 1022186-53.2017.8.26.0309, decidiu a favor do direito do paciente:
 
Vistos, 
Rafael de Almeida Mendes ingressou com ação de Procedimento Comum cc Pedido de Tutela de Urgência em face de Hospital de Caridade São Vicente de Paulo. Em síntese, alega a parte autora que está sendo coagido a submeter-se a tratamento de transfusão de sangue. Requer a tutela de urgência consistente em determinar que a equipe médica, respeite a decisão do autor, em utilizar de técnicas terapêuticas médicas alternativas, sem o uso da transfusão de sangue, respeitando seus motivos de cunho pessoal e religioso.
É o relatório.
DECIDO.
Os documentos de fls. 17/24 indicam a probabilidade do direito do autor, pois evidenciam que o requerente deu entrada no referido hospital para se submeter a tratamento de quimioterapia sem aplicação de transfusões de sangue, conforme documentos de fls. 20 e 21. 
Há também urgência no pedido. Há perigo de dano, consistente em que se levado à UTI inconsciente, seja submetido à transfusão sanguínea contra sua vontade. 
TESTEMUNHA DE JEOVÁ - PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COM POSSIBILIDADE DE TRANSFUSÃO DE SANGUE - EXISTÊNCIA DE TÉCNICA ALTERNATIVA - TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO - RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - DIREITO À SAÚDE - DEVER DO ESTADO - RESPEITO À LIBERDADE RELIGIOSA - PRINCÍPIO DA ISONOMIA - OBRIGAÇÃO DE FAZER - LIMINAR CONCEDIDA - RECURSO PROVIDO. Havendo alternativa ao procedimento cirúrgico tradicional, não pode o Estado recusar o Tratamento Fora do Domicílio (TFD) quando ele se apresenta como única via que vai ao encontro da crença religiosa do paciente. A liberdade de crença, consagrada no texto constitucional não se resume à liberdade de culto, à manifestação exterior da fé do homem, mas também de orientar-se e seguir os preceitos dela. Não cabe à administração pública avaliar e julgar valores religiosos, mas respeitá-los. A inclinação de religiosidade é direito de cada um, que deve ser precatado de todas as formas de discriminação. Se por motivos religiosos a transfusão de sangue apresenta-se como obstáculo intransponível à submissão do recorrente à cirurgia tradicional, deve o Estado disponibilizar recursos para que o procedimento se dê por meio de técnica que dispense-na, quando na unidade territorial não haja profissional credenciado a fazê-la. O princípio da isonomia não se opõe a uma diversa proteção das desigualdades naturais de cada um. Se o Sistema Único de Saúde do Estado de Mato Grosso não dispõe de profissional com domínio da técnica que afaste o risco de transfusão de sangue em cirurgia cardíaca, deve proporcionar meios para que o procedimento se verifique fora do domicílio (TFD), preservando, tanto quanto possível, a crença religiosa do paciente.(Agrado de Instrumento Cível nº 0022395-96.2006.8.11.0000, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça de MT, Relator: Des. Sebastião de Arruda Almeida, julgado em 31/05/2006).
Assim defiro a liminar para determinar que o hospital, abstenha-se em qualquer hipótese de realizar transfusão sanguínea, em respeito às convicções religiosas professadas pelo doente, permanecendo as terapias e técnicas alternativas isentas de sangue.
Cite-se e intime-se desta decisão, com URGÊNCIA, pelo plantão dos Srs. Oficiais de Justiça.
Serve o presente como mandado.
Int.Jundiaí, 23 de novembro de 2017.
 
Portanto, é inconstitucional a prática de transfusão de sangue em paciente adulto e capaz que manifestou explicitamente discordância, por motivo de crença religiosa. 
 
Conforme o Dr. ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO, em sua obra Autonomia do Paciente e Direito de Escolha de Tratamento Médico Sem Transfusão de Sangue mediante os autuais preceitos civis e constitucionais brasileiros: “O médico que transfunde um paciente contra a vontade deste e não o informa a respeito da realização da transfusão comete infração de ordem criminal, civil e ética.”
 
Concluindo, corroboro as palavras do Ministro Barroso:
 
“A. Nas últimas décadas, a ética médica evoluiu do paradigma paternalista, em que o médico decidia por seus próprios critérios e impunha terapias e procedimentos, para um modelo fundado na autonomia do paciente. a regra no mundo contemporâneo, passou a ser a anuência do paciente em relação a qualquer intervenção que afete sua integridade.
C. É legítima a recusa de tratamento que envolva a transfusão de sangue, por parte das Testemunhas de Jeová. Tal decisão funda-se no exercício de liberdade religiosa, direito fundamental emanado da dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o direito de fazer suas escolhas existenciais. Prevalece, assim, neste caso, a dignidade como expressão da autonomia privada, não sendo permitido ao Estado impor procedimento médico recusado pelo paciente. Em nome do direito à saúde ou do direito a vida, o Poder Público não pode destituir o indivíduo de uma liberdade básica, por ele compreendida como expressão de sua dignidade.”
 
Retornando a pergunta inicial, o paciente têm o direito de escolher um tratamento médico, mesmo quando está envolvido  recusar transfusão de sangue alogênico?
 
Sim, o paciente têm o direito de escolher tratamento médico, sendo legítima a recusa de tratamento que envolva transfusão de sangue alogênico.
 
Dr. Felipe Bernardi, OAB/SP 231.915.
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